
Transit IX - Esperança em Ação
9º Festival Transit
ESPERANÇA EM AÇÃO
Teatro – Mulheres – Vontade
De 12 a 23 de Junho-2019
Odin Teatret – Holstebro – Dinamarca
Dedicado a Lika Mutal
- Informações do Workshop(link is external)
- Formulário de inscrição(link is external) (prazo: 12º de março)
- Programa Completo e Informações(link is external)
Introdução de Julia Varley
Em 2006 eu fui convidada por uma atriz do grupo Yuyachkani para um festival em Lima. Um dia eles levaram todos os convidados para o monumento-memorial O Olho que Chora, (El Ojo que Llora) de Lika Mutal, um labirinto que conduz a uma escultura de pedra em seu centro. Ao entrar no labirinto, olhei para baixo: ao lado da trilha havia milhares de pedras colocadas em ordem, uma para cada vítima da guerra que durou vinte anos entre o exército peruano e o Sendero Luminoso. Algumas pedras revelavam o nome e a data de nascimento, desaparecimento ou morte da pessoa. Com a cabeça baixa, recordei de todas as outras guerras e massacres e fui tomada pela angústia e impotência. Buscando conforto, observei por um bom tempo a escultura lavada por um fluxo constante de água representando a Pachamama (Mãe Terra). Caminhei de volta. As pedras estavam na direção oposta, e eu não conseguia mais ler as inscrições. Automaticamente eu levantei meus olhos e minha cabeça, e meu corpo agora ereto recobrou a energia. A simples obrigação de colocar um pé na frente do outro mudou a minha atitude. Entendi assim que o que podemos e devemos fazer é continuar andando. O ato de caminhar decide e, onde olhamos, determina a direção e o espírito de para onde estamos indo.
Hoje, em uma época em que os líderes de governo e as pessoas que os elegeram parecem simplesmente não reconhecer o valor básico dos direitos humanos, eu preciso desesperadamente que a esperança me acompanhe. Não a esperança que fica para trás aguardando que algo aconteça, nem a esperança como forma de oração aos outros, mas a determinação ativa para transmitir uma mensagem de energia através da prática do meu ofício: teatro. Um ofício baseado no know-how de criar relações.
Os dois últimos Transit Festival foram permeados de temas sobre violência contra mulher e os possíveis caminhos de reação. A escolha de Esperança em Ação – Teatro, Mulher, Vontade como tema para o 9º Transit vem da necessidade de seguir em frente. Eu uso “vontade” no duplo sentido de resolução e legado. Sem esquecer a necessidade e a responsabilidade de denunciar e reagir, eu desejo recuperar a confiança em uma comunicação que recusa discursos vazios e passa por contato corporal, autoconfiança, amor, espírito de aventura e fé no futuro. Quanto mais eu envelheço, mais experiência eu tenho e mais Inteligência artificial, algoritmos e robôs controlam a capacidade humana de ter sentimentos, mais eu preciso de beleza, poesia, canções, música, crianças, movimento e natureza. A natureza tem o poder de existência que eu gostaria de dar às minhas ações no teatro. A natureza transmite mensagens de energia e vida, e isso é uma inspiração para meu trabalho.
Sempre que eu me deparo com desespero e doença, miséria e rancor, meu conselho tem sido tirar um tempo para respirar, sair para caminhar, ir para natureza, praia ou floresta, onde nada é mecânico, ordenado, simétrico, entediante, e onde tudo muda o tempo todo. O horizonte pode estar nublado, mas a distância e o ambiente dão a sensação da dimensão das coisas e a vontade de estar conectada com elas. Preparando a imagem para o festival, Dorthe Kaergaard me lembrou de um ditado dinamarquês: “Você não pode se sentar no lado de dentro quando toda a esperança está do lado de fora”. Muitas mulheres foram convidadas para participar do 9º Transit Festival para contribuir com sua experiência sobre o tema através de apresentações, demonstrações de trabalho, workshops e palestras. O programa quer que as mulheres saiam para “fora” para serem nutridas, energizadas e inspiradas, aumentando a sensação de esperança no futuro, do nosso ofício e deste mundo, e a crença de que em tempo de crise, desilusão, corrupção, autocracia e guerra, a voz das mulheres pode contribuir como outro ponto de vista. Isso requer engajamento e responsabilidade. É claro que, de dentro ou de fora, lutando desesperadamente ou cantando com alegria, gritando em voz alta ou em persistente silencio, nós temos que fazer bem o nosso trabalho. É a única arma à nossa disposição. Teatro é um espaço compartilhado de reflexão, mas também pode ser um momento de esperança em ação.
Julia Varley