Falar, pensar: conceber no feminino

Quando li a introdução do livro Pedras d'água de Julia Varley escrito no feminino, me ocorreu de repente de me encontrar diante de outra realidade possível: um mundo onde nós mulheres também existimos nas palavras e um convite aos homens para se sentirem incluídos nas palavras femininas. Um excelente ato político para nos tornar visíveis, pensei.

Porém, dez anos depois, ao escrever um artigo de pesquisa sobre o feminino, como um exercício de desconstrução, percebi que nomear a nós mesmas é muito mais do que um ato político que nos posiciona diante do mundo. Este ato muda nossa concepção do universo, da vida e, portanto, do teatro. Nomear a nós mesmas nos faz existir para nós mesmas e nomear-nos no que fazemos nos faz conceber como participantes e não apenas espectadoras. Quando me sinto participante, muda a minha relação com o teatro e todos os seus elementos: um teatro feito por mulheres, pensado por mulheres e que considera as outras mulheres como suas interlocutoras modifica e é essencialmente diferente do teatro que conhecemos, vimos e construímos do patriarcado. Nesse sentido, alguns aspectos teatrais ou relações que mudam quando vistos a partir do feminino são: energia, relação com o divino (divindades masculinas e femininas), relação com outras atrizes, relação com o público (pensamento das espectadoras), relação com o tempo e ciclos.  

Porém, o aspecto mutante que mais me chama a atenção é a forma como nos relacionamos: os homens competem, e as mulheres? As mulheres estão construindo ou recuperando melhores formas de convivência e trabalho. Nós estamos criando sobre princípios que são nossos: cuidado, tolerância, paciência, ternura. Princípios perdidos na herança patriarcal do teatro. Tempo de reflexão... e aqui me encontro, na casa dos cinquenta, questionando a minha forma de fazer teatro... repensando a minha vida. 

 

Eugenia Cano
Guanajuato, Gto. a 18 de febrero de 2021