About Ikebana
Há um ano atrás eu estava no Transit Festival. A nona edição. Minha primeira.
Depois de alguns meses, Julia Varley me pediu para escrever sobre a Oficina "Ikebana, Dando Vida às Flores", com Carolina Pizarro e Keiin Yoshimura. Eu não consegui fazer isso porque estava prestes a começar O Levante!, outro festival Magdalena que organizei no Brasil, envolvendo quase 100 pessoas, além da estreia da minha performance dentro da programação. Eu estava completamente maluca e mal tinha tempo de ver meus filhos.
Mas eu me lembro daquele pedido que Julia me fez desde então, mesmo não me lembrando de parte do processo da oficina. O que havia ficado para mim é a lição que compartilhei após a demonstração de trabalho, o que ainda faz sentido e está relacionada aos "ciclos do tempo".
Começamos pelo trabalho da Carolina. Com seus movimentos muito dinâmicos, rápidos e exaustivos. Pudemos nos sentir vivas através da animação, da serotonina e da dor muscular. Tivemos muitas tarefas eficientes que resultaram em muito material interessante. Pudemos sentir a força da energia da América Latina.
E então, trabalhamos com Keiin. Com seus movimentos gentis, lentos e meticulosos. Pudemos nos sentir parte de uma antiga prática teatral. Pudemos observar uma mestre experiente executando seu trabalho e tomando cuidado ao passar seu conhecimento para nós. Também tivemos que executar uma peça tradicional japonesa. Que privilégio!
Ambas as práticas são precisas e cheias de esforço.
No entanto, era difícil alternar de uma para outra e exigia do meu corpo e cérebro uma luta contra a inércia. Foi quando finalmente encontrei uma relação sensorial com o tempo que se tornou muito prazerosa.
Significou para mim a mesma alternância entre expansão e contração, inalação e exalação, dia e noite, verão e inverno... É sobre os ciclos da vida!
Incluindo o Transit, tive um ano muito valioso em 2019. O Levante! foi incrível e muito significativo para muitas mulheres. Minha parceria com Violeta Luna e outros projetos pessoais foram muito transformadores.
E agora, nos encontramos todos amarrados a um novo ciclo, a um novo ritmo coletivo de uma nova situação.
É doloroso encarar nossa saúde ameaçada, principalmente para nós no Brasil, nos preocupando com a corrupção e negligência do governo e lutando pela defesa da democracia em meio a uma pandemia.
É muito difícil lembrar que há um ano estávamos juntas, mostrando nosso trabalho, observando o das outras, criando e trocando profundamente!
Também está sendo muito difícil mudar nosso ritmo, cancelar ou adiar planos, criar novos e tentar entender esse tempo sem precedentes.
Depois de uma mensagem muito ansiosa e desesperançosa minha para Jill Greenhalgh, ela me convidou para ter uma conversa por vídeo. Falamos muito sobre nossa vida pessoal, angústias, insights e principalmente sobre teatro/arte neste cenário de isolamento.
Ela me mostrou uma foto, que foi muito inspiradora após sua explicação: "Lívia, essa é uma flor em cima de uma pilha gigante de merda. Porque é necessário um monte de merda para permitir que algo bonito apareça."
Que lição!
Então, percebi o que comecei a construir há um ano, minha compreensão ikebana sobre criar algo bonito.
O caminho pode ser muito preciso, técnico, rápido, lento e bonito; mas também pode ser uma bagunça, fedida e nojenta.
Mas ainda assim, leva tempo percorrer um ciclo e "dar vida às flores" novamente!
Lívia Gaudencio
Diretora Artística O Levante! - Festival Internacional de Mulheres em Cena
Brasil, 20 de junho de 2020.
Photos on this page are from the Ikebana workshop, by Rina Skeel, Linda Lyn Cunningham and Camilla Soave.